TRABALHOS EM ALTURA
Se perguntarmos a qualquer profissional de segurança qual o tipo de acidente de trabalho que mais mata com certeza obteremos como resposta as quedas de níveis diferentes. E não nos referimos de forma alguma apenas a realidade brasileira.
Ora, se os acidentes desta natureza implicam em tais resultados, porque as Normas relativas a trabalhos deste tipo são tão reduzidas ?
Plantão de final de semana de uma grande empresa qualquer. Tempo e momento de realizarem os trabalhos de manutenção, sai de campo a equipe da produção e entra em campo a equipe da manutenção, hora e vez de realizarem todos os trabalhos que não é possível realizar durante a semana, alguns em tempo recorde, todos imprescindíveis a continuidade e ampliação das operações. Em tempos passados, era o momento da manutenção desdobrar-se, hoje, é tempo de encontrarmos diversas empresas contratadas, realizando aqueles trabalhos considerados "especiais" que vão desde as Áreas Confinadas até mesmo aos temidos trabalhos em altura. Não é preciso ir a uma fábrica ou mesmo ser da área de segurança do trabalho para saber que os trabalhos em altura matam, basta tão somente saber ler e durante a semana abrir or jornais para encontrarmos noticias sobre as mortes ocorridas por quedas de fachadas, telhados e outras mais.
Nós de segurança, em especial, sabemos o que é isso. Diante das autorizações para execução de serviços, por mais que sejamos experientes e habilidosos ficamos temerosos. Trabalhos em altura são sempre perigosos, mais ainda porque trata-se de uma área onde desenvolvimento de métodos e tecnologias quase inexiste. Além disso, apesar de significar tanto risco, trabalhos desta natureza geralmente são realizados por pessoas totalmente despreparadas, seja do ponto de vista técnico, seja quanto a aptidão certificada por exame medico. Aquilo que por natureza já é perigoso, passa a ser ainda mais quando sabemos que nas estruturas estarão trabalhando pessoas mal alimentadas, de pouco ou nenhuma instrução, levadas a este tipo de trabalho pela necessidade de sobrevivência. É fácil afirmar, que na atualidade a realização destes trabalhos está mais associada a uma loteria de fatores do que qualquer condição real de assegurar condições mínimas de segurança.
Não há muito o que fazer. Se na teoria de nossas convicções filosóficas a vida é de suma importância, naquele momento a realização do trabalho tornar-se prioritária; A empresa precisa do trabalho e os empregados que irão realiza-lo precisam do emprego.
Todos nós conhecemos este quadro. Todos nós sabemos como são feitos a maioria dos trabalhos em altura. Por tantos conhecerem, pelas evidências escritas nos inúmeros e incontáveis acidentes fatais que já ocorreram, parece-nos por demais estranho que não exista ainda uma legislação especifica para este assunto. Supostamente as leis são feitas para assegurarem direitos, é a vida ainda é um direito. Supostamente as leis devem resguardar os interesses de todos os grupos e segmentos, e estes trabalhadores fazem parte de um segmento que carece demais deste tipo de garantia. A questão do trabalho em altura merece com certeza mais atenção do que vem merecendo, deixando de ser apenas uma citação na NR 6 (cinto de segurança) e alguns poucos itens da NR 18, para ser de fato uma norma clara e abrangente, capaz de auxiliar na prevenção destes acidentes geralmente fatais.
O que pode ser feito ?
Com certeza muito. A primeira atitude a ser tomada é rompermos com o paradigma da mera e constante culpa do empregado, não só apenas em acidentes deste tipo, mas acidentes de toda natureza. Rompendo-se com este velho paradigma, aquela que nos leva a escrever com tanta facilidade ATO INSEGURO, talvez nos vejamos obrigados a de fato estudar e consequentemente propiciar condições mais adequadas e reais de segurança. Parece-nos pelo menos desonesto, quando não anti-ético, supormos que a mera entrega de um cinto de segurança a uma pessoa seja tudo que se possa fazer tecnicamente para assegurar condições seguras em um trabalho desta natureza. E pelo menos ridículo notar o quanto as pessoas nem ao menos observam a ausência de um local adequado a fixação do mesmo.
O principio é simples: Homens não voam ! E assim sendo, não devem em qualquer momento de um trabalho em superfície acima do nível do piso estarem soltos. Deve ficar claro, que qualquer situação diferente desta é a anti-prática da prevenção. Portanto qualquer planejamento de trabalho em altura deve prever a possibilidade real de manter o homem preso durante todo o tempo de realização do trabalho, inclusive e em especial nos acessos/decessos necessários.
Passo a passo entendemos que a situação mereça a seguinte atenção:
- Toda equipe de trabalho em altura deve ter um coordenador, que para desenvolver seu trabalho deverá receber treinamento compatível. Deve conhecer cabos de aço e cordas, a ponto de poder inspeciona-los, fixa-los de forma correta e rejeita-los antes do inicio de cada jornada quando não apresentarem condições plenas de uso. Deve conhecer andaimes e escadas, desde a montagem correta dos primeiros até a inspeção detalhada de ambos. Deve saber inspecionar, montar e usar cintos de segurança com habilidade impar. Deve ter conhecimentos sobre a capacidade e resistência dos diversos tipos de telhas e coberturas. Deve também estar treinado para métodos de socorro para empregados projetados e presos por cinto de segurança. Neste primeiro item, vemos logo de cara a incoerência com que se trata o assunto, visto que na atualidade os trabalhos em altura são coordenados na grande maioria das vezes por pessoas sem qualquer conhecimento, que se expõe e faz o mesmo com toda sua equipe de trabalho.
- Qualificação especifica do profissional de segurança do trabalho que fará acompanhamento, mesmo porque é muita pretensão supor que qualquer um de nos domina todas as áreas da prevenção com amplo conhecimento. Ao longo dos anos tenho visto verdadeiros atestados de óbitos prévios através das prescrições feitas por alguns de nossos colegas para trabalhos em altura. Diga-se de passagem, Trabalhos em Altura deveria ser uma matéria especifica de nossos cursos, onde aprendemos tantas coisas que jamais usamos e de certa forma deixamos de ver aquilo que de fato nos interessa.
- Planejamento prévio do trabalho, tal como se fosse uma ação de guerra, com analise de risco elaborada por todo grupo, questionando-se fase a fase, definindo-se passagens, transporte de materiais e responsabilidades.
- Exame medico compatível com o risco do trabalho. Já tivemos a infeliz oportunidade de encontrarmos pessoas com epilepsia trabalhando em altura. No entanto, a seleção medica não deve ser apenas a única fase de responsabilidade quanto ao assunto, visto que operários alcoolizados devem ser retirados deste tipo de trabalho, situação que deve ficar clara a todos membros da equipe na fase de planejamento.
- Treinamento da equipe. Parece absurdo dizer, mas a grande maioria das equipes que trabalham em altura jamais treinaram para isso. Vale mesmo, a valentia ! Não é preciso ser muito especialista para entender que andar ou permanecer em superfícies altas não é algo inerente a pessoa humana.
- Equipamento de uso individual adequado. Há pouco tempo assistimos uma demonstração de um especialista francês, o qual apresentou uma infinidade de equipamentos modernos, leves e versáteis para trabalhos em altura, na verdade, adaptação de equipamentos de alpinismo para esta finalidade. O que temos hoje em uso, além de obsoleto é perigoso, desconfortável a ponto de ser desinteressante seu uso. O equipamento de segurança deve ser agradável ao homem, deve induzi-lo ao interesse por conhece-lo e saber usa-lo. Deve ser guardado e cuidado como uma ferramenta especial, limpo o bastante para ser atrativo. Qualquer um de nós sabe que a realidade não é esta. Nem mesmo calçados com solados anti-derrapantes, um equipamento mínimo para tal trabalho consegue-se encontrar nestes locais de trabalho.
- O equipamento de uso coletivo. Sem dúvida alguma, uma das maiores industrias do Brasil é a que fabrica informalmente escadas e andaimes, notável por sua capacidade de gambiarras e improvisações que tem como uma única constante a insegurança. Em qualquer empresa, em qualquer obra é possível encontrar uma série destas escadas e andaimes, fabricadas pelo improviso necessário que ocorre pela falta de meios adequados e tecnicamente corretos. Com o advento da NR 18, muito pode ser melhorado nos andaimes, infelizmente tais melhorias ainda estão restritas as paginas da referida Norma e há poucas empresas que fazem com que se cumpra. De fato as condições são precárias e mata-se por isso, mata-se pela total falta de respeito ao que há de mínimo em alguns segmentos.
- Termo de Responsabilidade Técnica, mesmo porque trabalho em altura é e deve ser visto sempre como uma atividade que deve ser tratada de forma especial
O que mais deve ser levado em consideração ?
Importante lembrar como é composta a mão de obra da industria da construção no Brasil, e que portanto, se estas recomendações não forem transformadas em legislação e assim obrigar aos responsáveis, a aqueles que aferem lucros com a utilização da mão de obra a tratarem o assunto mais seriedade, as mortes vão
continuar ocorrendo na mesma quantidade que temos hoje. Poderão dizer alguns que tais medidas oneram suas empresas, o que não acredito de fato, mas como resposta diria que com plena certeza tais mortes oneram a sociedade. Ora, se alguém deve pagar, ou se de fato há algo a ser pago que seja quem obtém lucro diretamente.
Muitos equipamentos e meios para prevenção de acidentes ou mais ainda, correções em máquinas ou instalações de fato tornam-se inviáveis devido ao seu alto custo, custo este geralmente surgido pela total inobservância de meios de segurança quando da elaboração do projeto. No entanto, na questão do trabalho em altura estes custos não tem o mesmo significado, em especial porque os equipamentos tem vida útil longa e geralmente são versáteis.
Acreditamos piamente que a questão do trabalho em altura deva ser normatizada de forma distinta, seja esta normatização oficial, de preferência, ou meramente técnica, mas algo que valha no sentido de assegurar condições mínimas de segurança.
Não podemos mais, assistir a tudo que ocorre sem como especialistas que somos tentarmos fazer algo; temos o dever técnico e acima disso o dever social. A prevenção de acidentes do trabalho no Brasil é muito passiva e esconde-se covardemente atrás da instituição da culpa atribuída ao operário, que de fato, existe em alguns casos. No entanto é pretensioso demais, mentiroso aos extremos querer imputar tal culpa em trabalhos como os feitos em altura, nas condições que hoje conhecemos.
Há muito por ser feito. Uma certeza temos: Não são apenas papeis que manterão as pessoas vivas !
Cosmo Palasio de Moraes Junior
Técnico de Segurança do Trabalho
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